A demografia é a área de conhecimento que tem como objeto de estudo fundamental a análise dos componentes da dinâmica populacional (natalidade, mortalidade e migrações) e as suas implicações na dinâmica social. Pouco conhecida, a demografia avançou a passos largos após o desenvolvimento da era da informática, pois permitiu que mais pessoas pudessem se ater aos números que envolvem o estudo detalhado da população. Entretanto, o estudo da população não se restringe ao mero acompanhamento do volume absoluto da população. A verdade é que existem muito mais elementos que merecem atenção, pois as características demográficas conferem demandas e implicações muito distintas para as políticas públicas, por exemplo, do que apenas o seu acumulado total. Neste sentido, este número da Coletiva busca explicitar algumas das importantes interfaces que cercam o campo de estudos da demografia. A entrevista com Suzana Cavenaghi, atual editora da Revista Brasileira de Estudos Populacionais e ex-presidente da Associação Latinoamericana de População, traz uma contextualização bem elaborada para entender a importância da demografia enquanto campo de estudos e sua relação com aspectos sociais, políticos e econômicos. Destaca, ainda, os avanços na formação de recursos humanos especializados e nos debates sobre população, tanto no cenário internacional como no Brasil. Assim, a entrevista evidencia com clareza qual a importância de ir além das preocupações malthusianas acerca do crescimento populacional. Nessa mesma direção, abrindo a seção de artigos deste número da Coletiva, os trabalhos de George Martine e o de José Eustáquio Diniz Alves apresentam de maneira clara como a dinâmica demográfica é fundamental na discussão dos projetos de desenvolvimento social, particularmente no que se refere à definição e planejamento de políticas públicas adequadas. Mas as fontes de dados para a análise demográfica são aspectos indispensáveis para o sucesso deste desenvolvimento. Sobre isso, o artigo de Luciene Longo traz um panorama dos avanços que os dados sobre a população brasileira apresentaram nos últimos anos e destaca o papel que as instituições de pesquisa, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), têm nesse contexto, principalmente no que se refere à garantia da cobertura, qualidade e confiabilidade dos dados. Entre as mais proeminentes áreas de atuação dos demógrafos, encontra-se a projeção da população. O artigo de Marcos Roberto Gonzaga detalha os principais aspectos relacionados aos desafios de “prever” o futuro da população. Ferramenta fundamental para planejamento de políticas públicas, as projeções demográficas vão além de mera matemática e demandam um conhecimento profundo das interações entre os componentes do crescimento populacional. O artigo de Morvan de Mello Moreira, bem como o artigo de Joice Melo Vieira, analisam dois aspectos populacionais relacionados às mudanças que ocorreram nas últimas décadas. O primeiro trata do processo de envelhecimento populacional que, a despeito do imaginário contido no senso comum de que o Brasil é um país jovem, já acena para desafios importantes em relação a diversos aspectos sociais. O segundo artigo destaca os desafios de ser jovem num país em franco processo de envelhecimento, o que, de certa forma, torna o investimento em políticas públicas sobre os jovens ainda mais importante nos dias de hoje. Rosana Baeninger, em seguida, discorre sobre as diferentes fases pelas quais passaram as migrações brasileiras e mostra como, em um país de dimensões continentais e com desigualdades regionais importantes, a redistribuição da população no território brasileiro esteve fortemente associada ao contexto econômico e social. Flávio Freire discute a importância da análise espacial da população, uma vez que os processos demográficos não ocorrem isoladamente do local onde se dão. Ou seja, o espaço não é apenas o palco sobre o qual as pessoas nascem, morrem ou se movimentam, e podem influenciar e serem influenciadas por ele. Encerrando a seção Artigos, Ricardo Ojima resgata a abordagem malthusiana para entender a importância da relação população e ambiente. Em seu texto, discute a importância de se considerar o perfil da população ao invés da simplista relação com o crescimento populacional para entender a degradação e consumo de recursos naturais. A seção de vídeo traz o canal do Youtube do projeto Vamos Contar, do IBGE, que estimula os professores dos ensinos fundamental e médio a apresentar aos alunos os dados produzidos pelo instituto e os conceitos relacionados aos estudos de população. A seção Memória analisa como a informação sobre raça/cor foi utilizada nos Censos Demográficos e mostra que essa questão, aparentemente simples, quando analisada de maneira séria, merece uma preocupação especial. A partir deste exemplo podemos ter a dimensão do tamanho do empreendimento que é a coleta do Censo Demográfico brasileiro, uma pesquisa fundamental para entender melhor a sociedade brasileira através de indicadores e dados. Portanto, fica evidente a necessidade de formação de demógrafos que possuam as ferramentas analíticas (quantitativas e qualitativas) para fazer bom uso destas informações. Assim, na seção Reportagem, a equipe da Coletiva buscou reunir depoimentos de pesquisadores, professores e estudantes de demografia no Brasil para ilustrar esses desafios e as perspectivas para um campo de trabalho pouco conhecido, mas de grande relevância. Editores temáticos: Ricardo Ojima e Wilson Fusco | Editores: Alexandre Zarias, Allan Monteiro e Túlio Velho Barreto | Capa: Tarsila do Amaral, Operários. Óleo sobre tela, 150 x 205cm, assinado: “Tarsila 1933”. Acervo Artístico-cultural dos Palácios do Governo de São Paulo. | Entrevista: Suzana Cavenaghi | Reportagem: Cláudia Ferreira, Nahyara Batista e Sthéfane Gonçalves | Artigos: Flávio Henrique Miranda, George Martine, Joice Melo Vieira, José Eustáquio Diniz Alves, Luciene Longo, Marcos Roberto Gonzaga, Morvan de Mello Moreira, Ricardo Ojima e Rosana Baeninger | Memória: Ricardo Ojima e Wilson FuscoA população mundial já ultrapassou a marca expressiva dos 7 bilhões de pessoas. Mas desde 1798, com a publicação da obra clássica “Ensaio sobre o princípio da população…”, de Thomas R. Malthus, o tema do crescimento populacional já era uma questão polêmica e ao mesmo tempo instigante. Para Malthus, o aumento da pobreza e da fome estaria diretamente relacionado ao descompasso natural entre o crescimento populacional e a capacidade de produção de alimentos. Assim, seria essencial regular o ritmo do crescimento populacional para que a sociedade não entrasse em colapso. Passados mais de 200 anos desde que Malthus se tornou um dos mais famosos autores do estudo da população, muitas coisas mudaram. Não apenas ocorreram mudanças sociais e tecnológicas fundamentais na sociedade, mas os estudos sobre a população também passaram por importantes avanços.