ISSN 2179-1287
Número 1 | jul/ago/set 2010

Pesca Artesanal

editorial_01O mundo das águas do Brasil é formado por uma extensa região costeira com mais de 8.000 km, banhada pelo Oceano Atlântico, de Norte a Sul, somando-se a uma complexa, biodiversa e múltipla existência de rios, lagos, lagoas, estuários, mangues, barragens e açudes espalhados pelo interior e litoral.

Mundo aquático de proporções imensas, como também é imenso o desconhecimento da sociedade sobre ele. Desconhecimento esse que se apresenta no próprio gesto simbólico e concreto de desvalorização, romantização e/ou, normalmente, de imensa ignorância diante de um dos seus mais ancestrais e legítimos usuários: os pescadores e as pescadoras.

Foram eles e elas que estabeleceram ao longo de nossa história, e ainda estabelecem, processos mais plenos de humanização do espaço aquático e de naturalização do próprio fazer humano sobre (e com) as águas. Tudo isso objetivado a partir de seus conhecimentos, práticas culturais e dinâmicas econômicas das construções patrimonias de técnicas e tecnologias, das formas de resistências e de reprodução societária, enfim, da efetivação de um modo de vida móvel  e singular.

Tão móvel e singular que nos permite dizer que não há um tipo exclusivo e fixo de fazer-se pescador ou pescadora, mas sim formas plurais, moventes e movidas de sê-lo. Tão biodiversa quanto os espaços aquáticos, diversas são também as realidades e condições encontradas e/ou construídas por aqueles que vivem da pesca no Brasil, e que se auto-intitulam ou que podem ser chamados por nós de jangadeiros, indígenas, marisqueiras, pescadoras, açorianos, ribeirinhos, quilombolas, catadeiras, caiçaras, pescadores e pescadeiras.

Todos formando um cenário múltiplo do que vem a ser a condição e expressão daqueles que pescam artesanalmente. Hoje, no Brasil, eles e elas chegam a ser cerca de 800.000 trabalhadores das águas.

Homens e mulheres das águas que constroem as suas vidas em um repleto campo de disputas cheios tensões, inserções, exclusões, resistências, acordos, lutas e negociações frente a outros sujeitos sociais, que também fazem usos das águas e de suas adjacências na terra.

É claro que muitos desses outros sujeitos, em larga medida, são formados por elites econômicas, sociais e políticas em intensa simbiose, a exemplo das grandes empresas turísticas, dos empreeendimentos portuários, dos especuladores imobiliários, da poluição urbano-industrial, dos fazendeiros aquícolas que usam capital intensivo e/ou extensivo. Por isso, as praias, enseadas, macéios, rios, mangues, lagos e estuários tornaram-se lugares de conflitos, ocultos e explícitos, e de projetos societários muitas vezes antagônicos e inegociáveis.

Dessa maneira, conhecer e dialogar com a riqueza do mundo da natureza, suas dinâmicas ecológicas e modos de apropriação socioeconômica e cultural é também problematizado em termos sociais, políticos, culturais, econômicos, de gestão e de saberes acadêmicos e populares, aproximando-os dialeticamente sem arrogâncias de superioridade. Tudo isso permite, antes de qualquer coisa, que o ato de conhecer seja gestador de possibilidades outras, de interações e diálogos outros, por ter superado o mundo das aparências, descortinado o pano da ignorância e colocado em primeiro plano uma realidade iluminada pelo conhecimento das mais diversas e inúmeras riquezas socioambientais que compõem o mundo das águas.

Assim, rios, enseadas, macéios, lagos, barragens, mares, estuários e mangues ganham uma dimensão mais plena e histórica de compreensão socioambiental ou ecossocial.

E é isso que busca a Revista Coletiva, ao trazer o tema da “Pesca Artesanal” em sua primeira edição.

O conjunto de artigos, reportagens, entrevistas, fotografias e vídeos  apresentado pela  Coletiva vai permitir que você, leitor, possa cruzar e singrar com maior pluralidade os mares da Pesca, alimentando-se ora de águas calmas, ora de mares arredios, que são oriundos da academia, do mundo dos pescadores e das pescadoras, das artes visuais e de várias outras realidades e formas de compreensão acerca do tema.

Cabe a você, agora, embarcar no mundo da Pesca, aprumar o leme e buscar as águas que julgar mais piscosas para seu conhecimento através do que lhe disponibiliza a Revista Coletiva. De fato, a sorte já está lançada e, por isso, uma boa navegação é o que lhe desejo.

Cristiano Ramalho
Editor temático
É professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde desenvolve, principalmente, pesquisas na área de Sociologia da Pesca.


Editor Temático: Cristiano Ramalho | Editores: Alexandre Zarias, Allan Monteiro e Pedro Silveira | Capa: Mateus Sá | Especial: Mateus Sá | Entrevista: Lourdes Furtado | Reportagens: Ana Laura Farias, Camila Almeida, Nízia Cerqueira, Rebeca Kramer e Tércio Amaral | Artigos: Antônio Carlos Dieques, Carlos Sautchuk, Francisca Miller, Hulda Stadtler, Maria Cristina Maneschy, Maria Luzia Miranda Álvares  e Pedro Silveira.
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