Há base para uma proposta curricular comum no Brasil? Quais as justificativas para a criação ou não de uma Base Comum Curricular? Este número da Revista Coletiva procura trazer algumas reflexões a respeito das disputas e dos entendimentos existentes em torno de uma política pública educacional e curricular. Uma proposta, a nosso ver, desafiadora para a organização dos sistemas de ensino, que gozam de relativa autonomia nas escolas e nas esferas administrativas municipais e estaduais. Consideramos que o momento de elaboração de uma proposta de BNCC coloca a educação como pauta nacional em todos os setores e grupos sociais, possibilitando discussões sobre os projetos educacionais. Cabe uma advertência importante. A elaboração da proposta da BNCC ocorreu durante todo o período de instabilidade política. Antes mesmo do MEC entregar a proposta ao CNE, em 2016, a Presidente da República, Dilma Rousseff, havia sido afastada, iniciando-se o processo de impedimento do seu mandato. Esse contexto fez com que fosse mudado o cronograma inicial de tramitação da proposta de BNCC pelo CNE, audiências nos estados e municípios até chegar à presidência da república. Esse processo estava previsto para ser concluído em julho de 2016. Mas, com as mudanças nas lideranças do MEC, o prazo foi estendido para o primeiro semestre de 2017. No caso do Ensino Médio o prazo será mais longo, pois tramita um projeto de lei de reforma dessa etapa da Educação Básica, que afetará muito a concepção e a organização do mesmo. Nesse sentido, as discussões que apresentamos nesta edição são datadas do período de elaboração e finalização da proposta, entre janeiro e junho de 2016 e não tivemos tempo de incorporar reflexões sobre esse novo processo e direcionamento político das reformas educacionais. Contudo, há discussões curriculares que são universais e farão todo sentido em qualquer contexto político e social do Brasil. Inserindo-se na tradição da Fundaj e da Revista Coletiva, concentramo-nos em alguns componentes curriculares das Ciências Humanas e que, curiosamente, foram pontos de forte polêmica em diversos espaços sociais e por meio de várias mídias. Dentre os componentes, destacamos História. Mas, sabemos que Filosofia, Sociologia e Ensino Religioso também reforçaram a indicação das temáticas, tais como gênero, raça e religiosidades. A sociedade brasileira tem se mostrado sensível aos dilemas e desafios de nossa constituição e de nossa construção de identidades. A disputa para dizer quem somos, o que somos e como somos apareceu claramente nas lutas em torno de uma base comum curricular. Assim, este número focou em componentes curriculares das Ciências Humanas, que ajudam a pensar na proposta em tela, ciosos de que novos dossiês deverão abranger mais componentes. Os autores e as autoras dos artigos convidados para o presente número são de diferentes formações e vinculações científicas e disciplinares. Todos destacam pontos polêmicos da ação em torno da elaboração de uma proposta de BNCC para o Brasil. Procuramos disseminar ideias de especialistas consagrados na educação, como o professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carlos Cury, cujas pesquisas tratam de temas implicados nas políticas educacionais enfocando o direito à educação. Cury destaca a necessidade e as dificuldades de criação de uma BNCC desde a Constituição Federal de 1988, passando pela Lei de Diretrizes e Bases, de 1996, até o Plano Nacional de Educação, de 2015. Esclarece, portanto, as teias legais que levaram à necessidade de elaboração de uma proposta de BNCC e indica como isso pode ajudar a consolidar um sistema democrático e um sistema nacional de democracia e de educação. A posição dele é bem distinta da professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Alice Casimiro Lopes, que estuda políticas curriculares. Juntamente com a professora Ana de Oliveira, do Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, elas desconstroem as argumentações aparentemente tão claras e justas acerca da necessidade de uma BNCC e de avaliações em larga escala, de testes padronizados. Iluminam e problematizam a crença na possibilidade de unificação e de aprendizagem homogêneas como realização de direitos. As opiniões diversas contidas nos dois artigos oferecem ao leitor a possibilidade de pensar a partir de diferentes pontos de vistas, assim também com os demais autores que trazem análises a partir de sua formação disciplinar. O professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Edgar Lyra, membro da Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (Anpof) e um dos assessores nomeados pelo MEC para a elaboração da proposta da BNCC, apresenta o processo de construção da BNCC para esta disciplina como componente curricular, ajudando a pensar na totalidade da proposta e especialmente para a etapa do Ensino Médio. O Ensino Religioso também ganhou destaque neste número, por ser um dos pontos sempre polêmicos na formulação legal dos currículos no Brasil, mobilizando análises dos principais pesquisadores brasileiros na atualidade. Entre eles, trouxemos Fabio Lanza e Luís Patrocino, do Laboratório de Estudos sobre Religiões e Religiosidades da Universidade Estadual de Londrina (UEL), além de Arnaldo Huff Júnior e Elisa Rodrigues, professores do Departamento de Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Cada um deles apresenta aspectos singulares das discussões em torno do assunto. Abordagens que contemplam um viés histórico, sinalizando os entraves causados pela inexistência do Parâmetro Curricular Nacional para o Ensino Religioso (artigo de Fábio Lanza, Luís Patrocino e Andressa Mello). Apontam ainda a diferença hermenêutica da disciplina em relação às demais na área das ciências humanas, o que implica numa formação específica do profissional (texto de Arnaldo Huff), e a contribuição desse ensino para compreensão mais ampla do fenômeno religioso como fato histórico e sociocultural, longe da educação religiosa predominantemente católica, bem como a defesa dos eixos que devem nortear a sua inclusão na BNCC (artigo de Elisa Rodrigues). Dois pesquisadores reconhecidos no campo das ciências sociais, Mario Bispo dos Santos, professor do Ensino Médio do Distrito Federal, mestre e doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), e Julia Maiçara Polessa, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), complementam-se nos dados e nas apreciações da proposta de Sociologia publicada em setembro de 2015. Enquanto Mario defende a proposta de uma base nacional para a Sociologia refletida nas diretrizes estaduais através de determinadas categorias centrais e periféricas presentes nas representações sociais, tais como cultura, Estado, movimentos sociais, partidos políticos e indivíduo, Julia Maçaira faz ponderações a respeito da proposta, promovendo uma crítica sobre o assunto. Igualmente relevante para o ensino de História, o professor da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) Jean Moreno toca nos principais desafios da proposta do componente curricular História. Desde a publicização da proposta preliminar da BNCC, a disciplina de História atraiu as atenções de especialistas e leigos por provocar uma ruptura radical com o eurocentrismo dos conteúdos tradicionalmente ensinados. Jean Moreno consegue mapear os desafios e os limites dessa postura adotada pelos especialistas elaboradores da proposta. A psicopedagoga Esther Pereira, vice-presidente do Sindicato Nacional das Escolas Particulares do Paraná (Sinepe/PR), avalia os impactos da atual proposta da Base Nacional para o sistema privado de ensino. A Reportagem deste número traça uma breve radiografia da BNCC, especificamente no campo das Ciências Humanas, apontando em que pé andam as discussões e as possíveis mudanças com a implantação da proposta. O professor Nilson Machado, da Universidade de São Paulo (USP), é o nosso entrevistado. Ele conversou com Ileizi Fiorelli e Marcelo Robalinho sobre a relação entre a BNCC e as avaliações em larga escala. Por fim, a seção Memória aborda as transformações nos sistemas de ensino no Brasil, enfocando especialmente o estado de São Paulo no período entre meados do século XIX e o início do Século XX.. Editora temática: Ileizi Fiorelli Silva | Editores: Alexandre Zarias, Pedro Silveira, Allan Monteiro e Marcelo Robalinho | Apoio de jornalismo: Lúcio Souza e Emannuel Nascimento | Revisão: Hugo Gonçalves | Capa e design: Ícaro Soriano | Entrevista: Nilson José Machado | Reportagem: Marcelo Robalinho | Artigos: Carlos Roberto Jamil Cury, Alice Casimiro Lopes e Ana de Oliveira, Edgar Lyra, Jean Carlos Moreno, Julia Polessa Maçaira, Mário Bispo dos Santos, Fabio Lanza, Luís Gustavo Patrocino e Andressa Alves Silva Melo, Arnaldo Érico Huff Júnior, Elisa Rodrigues e Esther Cristina Pereira | Memória: Ileizi Fiorelli Silva, Diego Greinert de Oliveira