ISSN 2179-1287
Número 12 | set/out/nov/dez 2013

50 Anos do Golpe

editorial_12Em 2004, quando o golpe civil-militar de 1964 completava 40 anos, a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), em parceria com o Jornal do Commercio, realizou o projeto Na Trilha do Golpe, que resultou em uma série de reportagens especiais, entrevistas e artigos, publicados ao longo de cinco meses, entre outubro de 2003 e março de 2004. Concluída a série, a Editora Massangana publicou livro homônimo com o material produzido por jornalistas e especialistas, o que coincidiu com a abertura do seminário “O Golpe de 1964, 40 Anos Depois”. O evento contou com protagonistas daqueles acontecimentos e análises de especialistas e deu origem ao livro 1964, O Golpe Passado a Limpo, com prefácio do então ministro da Cultura Gilberto Gil e posfácio do ex-ministro da Educação Cristovam Buarque.

Com isso, a Fundaj, finalmente, associava-se às instituições públicas de pesquisa e memória que já tinham feito uma ampla revisão histórica na abordagem das origens e consequências do golpe civil-militar. Isso significou a substituição do termo “revolução”, presente em suas publicações, por “golpe civil-militar”.

Agora, quando se completa 50 anos, atenta ao debate introduzido pelo Plano Nacional de Direitos Humanos – 3 (PNDH-3), de 2010, a Revista Coletiva, veículo de difusão científica da Fundaj, dedica este número aos aspectos que configuram a adoção de uma justiça de transição, a saber: o direito à verdade e à reparação, e a responsabilização e reforma institucionais. Quanto ao direito à verdade, destaca a criação e o trabalho das Comissões da Memória e Verdade.

O número é aberto com uma entrevista com o ex-ministro-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo de Tarso Vannuchi, responsável pelo PNDH-3. Na entrevista, Paulo Vannuchi, hoje membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, lembra o processo de inclusão da memória e verdade no PNDH-3, que tanto recebeu apoio de amplos setores da sociedade civil como tem sido alvo de críticas de setores militares, bem como as contribuições do trabalho da Comissão Nacional da Verdade. Defende também a reinterpretação da Lei de Anistia.

Na sequência, o jurista Fábio Konder Comparato faz um minucioso exame das causas do golpe civil-militar de 1964 e o analisa a partir de um amplo contexto social, que vai além de fatos pontuais e os atores políticos individuais envolvidos. Para tanto, historia a estrutura de poder desde o Império dando ênfase à posição ocupada pela corporação militar. Finaliza o seu artigo chamando a atenção para o contexto em que se aprovou a Lei de Anistia, em 1979.

Esse é exatamente o ponto de partida do artigo do professor constitucionalista Emilio Peluso Neder Meyer. Nele, trata do debate atual em torno da Lei de Anistia e defende a sua reanálise pelo Supremo Tribunal Federal, lembrando que a Corte Interamericana de Direitos Humanos já condenou o Brasil, por exemplo, pelas mortes de dezenas de militantes envolvidos na Guerrilha do Araguaia, episódio que é rememorado pelo pesquisador Paulo Fonteles Filho.

Em seu artigo, Maria Lygia Quartim de Moraes trata do feminismo e a luta contra a ditadura civil-militar no Brasil sem deixar de fazer referência ao contexto político do Cone Sul, em particular do Chile e da Argentina. Assim, aborda a presença das mulheres na luta armada, o feminismo e a experiência do exílio e o papel da imprensa alternativa feminista, o que corresponde à atuação das mulheres nas décadas de 1960 e 1970 contra a ditadura civil-militar.

Doutora em Direitos Humanos, Celma Tavares chama a atenção para a recorrência da prática da tortura pelo Estado brasileiro ao longo de nossa história. Se é fato que a tortura sempre foi utilizada contra pessoas suspeitas de crimes comuns, em períodos de ditadura foi usada contra presos políticos como recurso para aniquilar opositores. Foi o que ocorreu durante a ditadura civil-militar, entre 1964-1985, quando a tortura foi aperfeiçoada em suas técnicas e empregada como um dos instrumentos de sustentação do regime.

O artigo da historiadora Caroline Grassi Franco de Menezes trata da contribuição das instituições museológicas para a formação de cidadãos e cidadãs baseada na educação para os direitos humanos, para a paz e o “nunca mais”. Caroline Grassi destaca a relevância de espaços como o futuro Memorial da Resistência Carlos Marighella, em Salvador, e o consolidado Memorial da Resistência, em São Paulo, para o estabelecimento de uma nova cultura de direitos humanos, e os analisa frente às experiências similares no Chile e Argentina.

O papel que o cinema brasileiro cumpriu para a ampliação do acesso das pessoas aos fatos ocorridos durante aos chamados anos de chumbo, a partir do início do processo de transição para a democracia no Brasil, é abordado pela socióloga Caroline Gomes Leme. A autora chama a atenção para a contribuição que as diversas Comissões da Verdade poderão dar para que a cinematografia brasileira sobre a ditadura civil-militar se amplie e que surjam novas e densas abordagens sobre o período.

Este número traz ainda uma reportagem de Cláudia Ferreira e Nahyara Batista sobre o direito à verdade em Pernambuco. Nela, ouvem-se as vozes de pessoas diretamente atingidas pela ditadura civil-militar e suas percepções sobre o trabalho da Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Câmara (CEMVDHC), instituída em 2012. Considerada uma das mais atuantes do país, a CEMVDHC é coordenada pelo advogado e ex-presidente da OAB e ex-deputado federal Fernando Coelho, que aponta os resultados alcançados no momento em que o golpe civil-militar completa 50 anos.

A Coletiva é complementada por um vídeo e uma sessão de memória. O documentário Vou Contar para Meus Filhos, idealizado e coordenado por Yara Falcon e Lilia Gondim, ex-presas políticas, dirigido pela cineasta Tuca Siqueira, retrata a história de 24 mulheres que foram presas políticas no Recife na Colônia Penal Feminina do Bom Pastor, hoje Presídio Feminino do Recife, no período de 1969 a 1979, época da ditadura militar que viveu o Brasil de 1964 a 1985. Em Memória, Albertina Lacerda faz um breve histórico da Coleção Alcir Lacerda, do acervo iconográfico da Fundaj, que cobre importantes acontecimentos do período autoritário, como a visita do general-presidente Castelo Branco ao Recife e os trabalhos da Comissão Civil de Investigação responsável por apurar as condições em que se encontravam presos políticos, como Miguel Arraes, Francisco Julião e Gregório Bezerra, após denúncias de torturas em Pernambuco, ainda em 1964.

 

Editores temáticos: Celma Tavares e Túlio Velho Barreto | Editores: Alexandre Zarias e Allan Monteiro | Capa: Revista O Cruzeiro, 25 de abril de 1964. Foto de Rubens Américo. Acervo Fundaj | Entrevista: Paulo Vannuchi | Reportagem: Cláudia Ferreira e Nahyara Batista | Artigos: Caroline Gomes Leme, Caroline Grassi Franco de Menezes, Celma Tavares, Emílio Peluso Neder Meyer, Fábio Konder Comparato, Maria Lygia Quartim de Moraes e Paulo Fonteles Filho | Memória: Albertina Otávia Lacerda Malta

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