Rafael Oliveira O desafio que está diante da humanidade nos tempos atuais, infelizmente, encontra ecos no Brasil, um País de desigualdades. Contexto¹ Antes de ver os dados específicos religiosos é importante notar que a questão da violência no Brasil é muito grave, conforme se vê em alguns indicadores exemplares: Cresce a violência por motivação religiosa em um cenário de mudança do perfil religioso da população, em 35 anos: os Católicos caíram de 89% para 64,6%, os Evangélicos cresceram de 6,6% para 22,8%, as Religiões Afro-brasileiras decresceram de 0,6% para 0,3%; as outras religiões cresceram de 2,2% para 4,9%; e os Sem Religião cresceram de 1,6% para 8%. A crítica das distorções estatísticas tem avaliado que o número para Religiões Afro-brasileiras é subnotado. Nesse quadro de mudança religiosa, o crescimento evangélico é majoritariamente de caráter pentecostal, e entre esses, de uma maioria messiânica, salvacionista e pragmática, tanto no sentido da busca da eliminação do mal como da criação dos meios possíveis para isso: financeiros, de crescimento numérico, de representação política e de ocupação do Estado. Desde 2011, o Brasil passa a ter um de registro nacional de denúncias de violências baseadas na fé (foram 726 casos anotados entre 2011 e 2015, uma taxa de crescimento de 460%), além de algumas pesquisas estaduais. Todos apontam para uma maioria (entre 60 e 70% dos casos) de agressões de “evangélicos” contra expressões de religiões afro-brasileiras, havendo anotações de conflitos com católicos e outros. O alarmante desse tipo de violência, além do crescimento, em dois anos, a uma taxa de 60%, é seu perfil entre 2011 e 2015: É um perfil que atinge a vida cotidiana, as relações parentais, de vizinhança e o ambiente escolar. No geral, não escapa do ambiente nacional ao olhar-se o quadro da violência extrema. É uma violência racista, misógina e homofóbica (RMH). Comentários analíticos adicionais: teologia e comunicação É importante, localizados os contextos geral e religioso, evitar uma caricatura dos “evangélicos” como em si violentos e violadores de direitos. Mas, principalmente, identificar o crescimento de uma religiosidade em uma sociedade que tem problemas estruturais de violência e que mantém uma história racista, misógina e homofóbica. Os religiosos não inventaram a violência, mas crescer em um contexto que praticamente naturaliza a violência por Racismo, Misoginia e Homofobia (RMH), como se fosse uma cultura, coloca em xeque os pragmatismos de pregações que visam o crescimento de adeptos, admitindo suas visões de mundo e preconceitos. É nessa mesma sociedade em que cresce a intolerância religiosa, que também se pode anotar que 87% da população é favorável à redução idade penal. Onde também alcançam altos índices de audiência os programas de TV e de Rádio de viés policial, pautados pelo horror e exposição do crime – que incitam ao uso da força como “solução” da violência. Um dado significativo que se soma aos processos é o poder de comunicação, em aparatos televisivos e radiofônicos de cristãos que só reiteram as pregações prenhes do RMH que terminam por incitar a violência. O que se pode iluminar com isso? Que as tendências teológicas pragmáticas vão se somar aos contextos de desigualdade e violência, reforçando estruturas e índices que mantêm ou acentuam a violação dos Direitos Humanos das minorias, religiosas ou não (o próprio conservadorismo). Para resumir, de forma provocadora, a questão teológica, diria que o crescimento religioso tem se constituído por aqueles que se proclamam os legítimos identificadores do mal. Em suma, os identificadores dos diabos e dos seus sinais. As teologias sobre o diabo e as suas peripécias, formuladas por tradição oral ou por escritos e divulgadas nos templos em pregações e em atos de exorcismo, passam a ser o conteúdo apaixonado da mensagem messiânica. É óbvio que, em primeiro plano, esse discurso ilumina aos “evangélicos”, mas no universo cristão isso não é novidade e nem exclusividade histórica. Fica a pergunta: se os legítimos identificadores do “diabo” atuam sem criticar o racismo, a homofobia e a misoginia, é surpresa que encontrem as manifestações das pessoas sujeitas desses contextos como encarnações do mal? Está posto um desafio: afinal quem é o diabo e quem encarna o mal? Enfrentar esse debate passa a ser vital para a paz e o diálogo interreligioso, sabendo-se que esse não é um tema exclusivo dos cristãos e que também culturalmente, no Brasil, é um assunto que permeia o inconsciente coletivo da população em geral. Ações de mitigação em curto prazo O universo religioso tem se pautado pela afirmação da esperança ao mesmo tempo sem ilusões. Há esforços múltiplos em um contexto adverso em que o campo de valores coloca em xeque a própria Dignidade Humana. Naturaliza-se como fato a desigualdade, como se uns de nós merecêssemos privilégios, fossemos mais Dignos. A batuta conservadora a reger um concerto de argumentos de mérito justificando as mortes imponderáveis de pessoas consideradas de um nível abaixo da humanidade e do bem viver, efeitos colaterais da afirmação de falsas verdades: do capital, da salvação, da genética, da competição entre fracos e fortes e outras. Os enfrentamentos são de caráter simbólico, de assistência social, de denúncia das violações de direitos, de incidência por políticas públicas… Não é um universo fácil de trabalho. Sonhos e esperanças movem poucos por muitos. Pois, não devemos deixar de registrar a gravidade do enfraquecimento da sustentabilidade das organizações baseadas na fé e de outras da sociedade civil defensoras dos Direitos Humanos (DH) na sua integralidade – pela redução drástica de apoio financeiro internacional, pela redução grave de recursos públicos nacionais e pela continuada criminalização de quem defende os DH. Termino estas notas apontando algumas iniciativas como aprendizados que quiçá possam ser replicados em outros contextos. São indicativos de processos que visam isolar a intolerância e as ondas de desprezo humano: [1] Dados reunidos do Censo 2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. Os dados até 2015 foram do Ministério da Mulher, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos – Disque 100 e, principalmente, do Relatório sobre Intolerância Religiosa no Brasil, feito por: Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, Movimento Inter-Religioso e Universidade Federal do Rio de Janeiro (Mimeo). Sobre as mortes indígenas, os dados são do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e sobre mortes no campo, os dados são da Comissão Pastoral da terra (CPT). Tanto o CIMI como a CPT são organismos católicos. [2] Registro entre aspas, porque o universo chamado Evangélico é muito grande e inclui uma diversidade que aqui não cabe descrever. Desse modo, tento evitar generalizações injustas querendo ao menos apontar um campo popular, não-católico e de maioria de comportamento pentecostal, mais compatível com os registros genéricos dos dados. [3] O racismo no Brasil tem o rosto negro e se expressa nas aversões à cor da pele, o que acaba em determinados contextos por abarcar indígenas vítimas de toda a forma de preconceito e agressão.

Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (2005). Atualmente é Diretor Executivo e associado colaborador da Koinonia Presença Ecumênica e Serviço.