ISSN 2179-1287
Número 16 | mai / jun / jul / ago 2015

Como a instituição escolar avalia a atual proposta da Base Nacional Curricular Comum e em que essa proposta vai impactar no sistema privado de ensino.

Esther Cristina Pereira

Como já estampado em muitos outros comentários e contribuições encaminhadas ao Documento Base, primeira versão, houve uma preocupação importante por parte do setor de ensino privado com relação a um tema de tamanha relevância e à exigência de cumprimento dos prazos tão exíguos. Construir uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para todo o território nacional não pode e não deve ser pensado como algo para se cumprir por força da Lei n.º 13.005, de 25 de junho de 2014 na busca pela consolidação do Sistema Nacional de Educação (SNE) visando à equidade com qualidade para todos.

Portanto, o ensino privado não poderia ficar à margem desse debate. Inúmeras reuniões foram organizadas com professores, coordenadores pedagógicos e gestores em torno da primeira versão do documento.

Percebe-se que não existe uma definição clara sobre esse estudante que se quer formado. Nem a primeira ou segunda versão trazem essa preocupação. Independentemente da rede pública ou privada de ensino, conhecer a criança, o adolescente e o jovem que estão hoje em nossas escolas é imprescindível para a construção de uma Base Comum Curricular.

A percepção de que não há evidência concreta sobre os “reais sujeitos da aprendizagem” acaba expondo a fragilidade da BNCC. Muito embora nos Textos Introdutórios da segunda versão haja a afirmação: “Em outras palavras: não há concretização de objetivos de aprendizagem sem a consideração dos reais sujeitos de aprendizagem.” (p. 31), percebe-se que esse conhecimento não é palpável ao longo do documento.

A preocupação em traduzir para um único documento o que se quer em termos de Direitos e Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento como orientadores na elaboração dos currículos para as diferentes etapas de escolarização não fortalece um Sistema Nacional de Educação. Desconhecer os atores envolvidos nesse processo continuará perpetuando os erros cometidos ao longo do tempo no sistema educacional brasileiro.

O setor privado de ensino vê com preocupação os encaminhamentos perpetuados até então. As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais (DCNs) para a Educação Básica precisam estar consolidadas em cada instituição de ensino para que a construção de uma Base Comum Curricular encontre eco nas instituições de ensino de todo o território nacional.

O ensino privado, de certa forma, já trabalha com olhares voltados para sistemas de ensino de outros países, cujos indicadores de avaliação internacional, como o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), apontam como sendo os melhores avaliados. E nessa linha, traz o conceito e adapta para a sua realidade.

Desse modo a rede particular busca atingir um padrão de qualidade tendo como referência, além de toda a legislação de ensino, experiências bem sucedidas de outros países. Busca conhecer e implementar, em seu fazer pedagógico, políticas de avanço já consagradas. E sob esse prisma vê que para se concretizar uma Base Comum Curricular é necessário muito estudo e debate, o que não acontece nesse momento com relação à necessidade de aprovação urgente de uma Base Comum Curricular para se cumprir a exigência do Plano Nacional de Educação.

Balizar o processo de ensino e aprendizagem em um nível aquém do esperado para uma educação de qualidade é um retrocesso e representa a perpetuação de uma educação pública sem atingir e nem mesmo superar os níveis de equidade e qualidade educacional tão almejados.

Partindo da reflexão de que o que influencia, o que se aprende na escola são os conteúdos dos livros didáticos, os exames vestibulares e o ENEM, pode-se esperar que essa ordem seja invertida.

Um Currículo Comum será o documento norteador para as avaliações externas. Com isso, o Currículo, hoje praticado pela grande maioria das instituições de ensino, deverá ser revisitado e revisado.

Para muitos especialistas a segunda versão ainda está em estado de fragilidade com relação à clareza na definição da progressão ano a ano dos conteúdos. A articulação e a progressão entre as etapas da Educação Básica.

A Educação Infantil com os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para cada uma das três fases originadas dos cinco campos de experiência precisa estar articulada com os anos iniciais do Ensino Fundamental e os anos finais do Ensino Fundamental ligados ao Ensino Médio em uma progressão com um diálogo significativo nos quatro eixos de formação que articulam o currículo ao longo de cada etapa.

O que se espera de nosso estudante ao final do Ensino Médio, fase conclusiva da Educação Básica, deve ser o ponto de partida para a reflexão do que se espera de uma Base Comum Curricular. A clareza de quem são os sujeitos de todo o processo, compreendendo suas necessidades, expectativas e características locais deverá apontar para a consolidação desse documento norteador dos Projetos Pedagógicos e das ações pedagógicas em todas as escolas, quer sejam privadas ou públicas.

O Ensino Privado, através dos Sindicatos das Escolas Particulares do Brasil e da Federação Nacional das Escolas Particulares – Fenep, arregimentou debates entre representantes, tanto da rede pública quanto privada, motivando a contribuição para a versão preliminar da Base.

Frente à importância e urgência dessa nova demanda que, com certeza, representaria um impacto na organização curricular das instituições de ensino, os sindicatos promoveram reuniões e participações nas etapas municipais e regionais.

Os equívocos registrados na versão preliminar promoveram uma série de discussões sobre a proposta de uma Base Nacional Comum Curricular que desfigurava o entendimento sobre aquilo que se espera de um Currículo Comum para as escolas de todo o território nacional. Um documento que trazia ideologias não compartilhadas pela maioria dos professores, coordenadores e gestores da rede particular, além dos desacertos dos componentes de História, Língua Portuguesa, Filosofia, Geografia, Ciências e Matemática.

O que se espera agora, é que no fechamento das etapas estaduais, conforme cronograma apresentado pela Comissão da Base em Brasília, momento em que todas as 27 unidades federativas irão contribuir junto à segunda versão, é a ciência por parte da Comissão em Brasília de que não se pode considerar como um estudo já concluído.

Muitos erros os quais a educação brasileira colhe os frutos até hoje são cometidos pela “urgência”, sem o amadurecimento necessário, em se implantar algo novo com a expectativa de resultados positivos imediatos. Importante salientar que na educação nada, absolutamente nada, é imediato. Muito ainda precisa ser feito para se corrigir tanto mal-entendido.

A rede privada de ensino sempre irá procurar garantir um ensino de excelência. Mas a sua preocupação é com a educação como um todo. Não podemos nos colocar apenas voltados com o que a atual proposta da Base Comum Curricular vai impactar o “sistema privado de ensino”.

A escola particular não se vê à parte do Sistema. Ela faz parte do Sistema Municipal ou Estadual de Educação e deseja que a qualidade da educação brasileira chegue a todas as escolas do território nacional.

Nosso país não pode estar dividido, mas sim unido em torno de um mesmo interesse. Equidade e qualidade para todos. A rede privada de ensino entende que a educação de qualidade será responsável pela transformação desse país continental.

Logo, o que se espera é seriedade e sabedoria por parte dos profissionais envolvidos na condução desse novo modelo de organização curricular.

As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica são do ano de 2010, e percebe-se que seu efeito ainda não foi incorporado nas mais diversas instituições de ensino do território nacional. Com um desnível e uma carência tão grande de educação o que esperar da Base Comum com uma previsão de implantação imediata. Ainda a escola brasileira carece de inúmeros trabalhos de base. O básico da leitura e do raciocínio. E não é a nova Base que irá reverter esse quadro. O Letramento e a Capacidade de Aprender, um dos quatro eixos definidos na BNCC para o Ensino Fundamental e Ensino Médio, são pilares para os demais. Sem o raciocínio, o letramento e a capacidade de aprender bem desenvolvidos, a BNCC não encontrará eco nas escolas.

Para a rede particular de ensino, atendidos os descompassos e a fragilidade evidenciados, ainda nessa segunda versão, com a possibilidade de novos momentos de estudo e debates, a BNCC é um grande avanço para a educação brasileira. É um momento propício para a reconstrução de modelos já bastante desgastados.

A longa caminhada, vivenciada pelos sindicatos na área da educação, indica para a proposta de um projeto piloto com implantação gradativa o que possibilitaria ajustes ao novo modelo de uma Base Comum Curricular para todo o território nacional.

A experiência nos mostra que muitos desacertos têm ocorrido no apressamento de implantações de novos modelos e novas propostas. O exemplo mais concreto e mais recente é a implantação do Ensino Fundamental de nove anos. Houve uma exigência de implantação bem antes das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de nove anos serem aprovadas. A implantação foi em 2006 e as Diretrizes foram aprovadas em 2010. Até então a reorganização do Ensino Fundamental ficou em um “limbo de achismos” e especulações que estão repercutidas até hoje.

A BNCC traz ainda questões que devem ser ajuizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como a questão do corte etário que impôs discussões que se arrastam até hoje. Sabe-se que a decisão do corte etário está no STF para julgamento. Mesmo assim o documento vai à contra mão da Constituição, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e da mais recente alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com a Lei n.º 13.306, de 4 de julho de 2016, que fixa em cinco anos a idade máxima para o atendimento na educação infantil. Quando o documento aponta os temas especiais na estrutura da Base.

A questão é que a grande maioria das escolas particulares já busca a excelência da educação em conformidade com os padrões internacionais procurando alinhar-se às propostas de instituições citadas como modelos inovadores em educação. A Base é um referencial e  pode ser adequada à exigência do Projeto Político Pedagógico de cada instituição de ensino. Portanto, o impacto, sendo redundante, depois de corrigidos os equívocos ainda apresentados na segunda versão, é objetivamente administrável.

Para que haja um resgaste importante e urgente no cenário educacional não há mais espaço para o imediatismo e atropelos.

captura-de-tela-2016-12-10-as-08-45-39

captura-de-tela-2016-12-10-as-08-45-50Imagens 1 e 2: Primeiras reuniões dos professores para estudo da versão preliminar (2º semestre de 2015)
captura-de-tela-2016-12-10-as-08-45-59
Imagem 3:
Etapa municipal (1.º semestre de 2016)
captura-de-tela-2016-12-10-as-08-46-06
Imagem 4:
Etapa regional com a participação dos professores representantes (1.º semestre de 2016)

 


Esther Cristina Pereira
é psicopedagoga com especialização e MBA em Gestão pela PUC-PR e vice-presidente do Sindicato Nacional das Escolas Particulares do Paraná (Sinepe/PR). Atuou como diretora de Ensino Fundamental na instituição entre 2010 e 2014. Há mais de 25 anos, fundou a Escola Atuação, no Paraná.

MAPA DO SITE

APOIO

Labjor
 

REALIZAÇÃO

Fundação Joaquim Nabuco Ministério da Educação Brasil - Governo Federal